A partícula que viajou na velocidade da luz


(Fonte: Astro PT) Na noite de 15 de outubro de 1991, a partícula "Oh-Meu-Deus" riscou o céu do estado norte americano de Utah.

Era um raio cósmico que possuía 320 Exaeletronvolts (320 trilhões de eletronvolts) de energia, milhões de vezes mais do que alcançam as partículas no LHC, o Grande Acelerador de Partículas.

A partícula estava indo tão rápido que se estivesse numa corrida de um ano com a luz, teria perdido por milésimos de centímetro. Sua energia de igualou à de uma bola de boliche, porém bolas de boliche possuem tantos átomos quanto há estrelas no Universo, sem comparação com uma única partícula cósmica! Nunca pensou-se ser possível concentrar tanta energia numa única partícula.

Perto dali, a cerca de 8 quilômetros de onde ela caiu, um investigador fazia seu turno de trabalho dentro dum velho reboque infestado de ratos estacionado no topo de uma montanha no deserto. Um pouco antes, ao anoitecer, Mengzhi Luo tinha ligado os computadores do detector Fly's Eye, um conjunto de dezenas de espelho esféricos que pontilhavam o terreno lá fora. Cada um dos espelhos estava trancado dentro de uma lata rotativa construída a partir duma seção cilíndrica que fica apontada para baixo durante o dia para evitar que a luz do Sol afeta seus sensores. Quando a escuridão caiu nessa noite limpa e sem Lua, Luo virou as latas para o céu. Mesmo sendo uma experiência rudimentar, funcionou.



O rastro levemente brilhante da partícula Oh-Meu-Deus (como o programador do computador e fundador da Autodesk John Walker a chamou num artigo na Web) foi detectado nos dados do Fly's Eye no verão seguinte e reportada passado um ano ao longo do qual o grupo tentou convencer-se da veracidade do sinal, que era real. A partícula tinha quebrado um limite de velocidade cósmica resolvido décadas antes por Kenneth Greisen, Georgiy Zatsepin e Vadim Kuzmin, que argumentaram que qualquer partícula com mais energia do que cerca de 60 EeV irá interagir com a radiação de fundo que permeia o espaço, perdendo assim rapidamente energia, e abrandar. Esse "GZK" sugeria que a partícula Oh-Meu-Deus deveria ser recente a ter sido originada nas proximidades - provavelmente dentro do superaglomerado local de galáxias. Mas seria preciso um acelerador astrofísico de tamanho e poder inimagináveis para produzir tal partícula. Quando os cientistas olharam na direção de onde havia vindo a partícula não encontraram nenhum objeto com tais características.

Existem muitas dúvidas envolvendo essa partícula, as quais motivaram os astrofísicos a construírem detectores maiores, mais sofisticados, que, desde então, registraram centenas de milhares de "raios cósmicos ultra-energéticos" com energias acima de 1 EeV. Ao quebrar o limite de velocidade GZK, esta partícula desafiou uma das previsões de longo alcance mais distantes jamais feitas. Parecia possível que poderia oferecer uma janela para as leis da física em escalas doutra forma inacessíveis - talvez até mesmo relacionar a física de partículas com a evolução do cosmos como um todo. No mínimo estas partículas prometiam revelar o funcionamento de objetos astrofísicos extraordinários que só tinham sido avistados como brilhos nas lentes dos telescópios. Mas, ao longo dos anos, como as partículas varreram pinceladas de luz através dos sensores em todas as direções, em vez de pintar um padrão revelador de que poderia ser combinado com, digamos, os locais de buracos negros super-maciços ou com galáxias em colisão, elas geraram alguma confusão.

Só recentemente, com a descoberta de um “hotspot” cósmico no céu, a detecção de partículas cósmicas de alta energia correlacionadas, e uma melhor compreensão da física de energias mais familiares, puderam os investigadores garantir os primeiros pontos de apoio na senda da compreensão dos raios cósmicos de ultra alta energia.

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